A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento a recurso especial do Facebook Brasil e, por unanimidade, reformou acórdão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) que obrigava o provedor a fornecer dados de todos os usuários que compartilharam um vídeo com informação falsa, no qual um homem afirma ter comprado um salgado repleto de larvas em uma padaria de Santa Catarina.
Para o colegiado, não seria razoável igualar o autor da publicação aos demais usuários que tiveram contato com a notícia falsa e acabaram compartilhando o conteúdo, sendo desproporcional obrigar o provedor a fornecer os dados dessas pessoas indiscriminadamente, sem a indicação mínima de qual conduta ilícita teria sido praticada por elas.
“Sopesados os direitos envolvidos e o risco potencial de violação de cada um deles, penso que deve prevalecer a privacidade dos usuários. Não se pode subjugar o direito à privacidade a ponto de permitir a quebra indiscriminada do sigilo dos registros, com informações de foro íntimo dos usuários, tão somente pelo fato de terem compartilhado determinado vídeo que, depois, veio a se saber que era falso”, afirmou o relator do recurso, ministro Luis Felipe Salomão.
O vídeo foi publicado em um grupo do Facebook. Na ação contra o provedor, a padaria alegou que o salgado não foi adquirido em seu estabelecimento, mas, em razão do compartilhamento da publicação nas redes sociais, a empresa perdeu contratos com fornecedores e teve grande prejuízo financeiro.
Em primeira instância, o juiz determinou que o provedor fornecesse apenas a identificação do responsável pela publicação do vídeo, mas o TJSC entendeu ser necessário obter informações sobre todos os usuários que compartilharam o conteúdo. Para o tribunal, o provedor não demonstrou limitação técnica que o impedisse de prestar essas informações; além disso, a ordem não representava uma invasão da privacidade dos usuários.
Proteção à privacidade
Segundo o ministro Luis Felipe Salomão, o Facebook retirou o vídeo das páginas cujas URLs foram apontadas pela autora da ação, bem como forneceu a identificação dos principais usuários responsáveis pelas publicações difamatórias, não havendo, portanto, inércia da empresa em bloquear o conteúdo ilegal.
No campo normativo, o relator lembrou que o Marco Civil da Internet, em seu artigo 22, dispõe que a parte interessada poderá, com o propósito de reunir provas em processo judicial cível ou penal, requerer ao juiz que ordene ao responsável o fornecimento de registros de conexão ou de registros de acesso a aplicações da internet.
Entretanto, Salomão também apontou que a legislação teve especial atenção no tratamento da quebra do sigilo de registros de conexão e de acesso, salvaguardando a privacidade e os dados pessoais de usuários da internet, sem limitar a liberdade de expressão.
“Se é certo afirmar que o usuário das redes sociais pode livremente reivindicar seu direito fundamental de expressão, também é correto sustentar que a sua liberdade encontrará limites nos direitos da personalidade de outrem, sob pena de abuso em sua autonomia, já que nenhum direito é absoluto, por maior que seja a sua posição de preferência, especialmente se se tratar de danos a outros direitos de elevada importância”, afirmou o ministro.
Quebra de sigilo
Ainda segundo Salomão, a quebra de sigilo é um elemento sensível na esfera dos direitos de personalidade e, por isso, o preenchimento dos requisitos que a autorizem deve ser feito de maneira minuciosa, devendo estar caracterizados indícios efetivos da conduta ilícita, com análise individual da necessidade da medida.
No caso dos autos, entretanto, o ministro enfatizou que a autora da ação não indicou nenhum elemento de ilicitude na conduta dos usuários que, por qualquer motivo, acabaram compartilhando o vídeo.
Além disso, o relator entendeu não ser possível presumir a ilicitude de todos os usuários que divulgaram o material, a ponto de relativizar a sua privacidade. Ele mencionou que pode haver pessoas que tenham repassado o vídeo de boa-fé, preocupadas com outros consumidores, ou que o tenham republicado para repudiar seu conteúdo, por ser inverídico.
“É importante destacar que o STJ, no âmbito criminal, reconhece que o mero compartilhamento de postagem de internet, sem o animus de cometer o ilícito, não é suficiente para indicar a ocorrência de delito”, concluiu o magistrado.
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