O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) começou a julgar, nesta quinta-feira (18), o Recurso Extraordinário (RE) 979962, que discute a aplicação de pena alternativa à sanção mais grave prevista no Código Penal para os crimes de importação ou venda de medicamentos sem registro sanitário. Até o momento, foram proferidos três votos – ministros Luís Roberto Barroso (relator), Alexandre de Moraes e Edson Fachin – com conclusões distintas sobre a matéria, com repercussão geral reconhecida (Tema 1003). O julgamento deve ser retomado na próxima semana.
O caso diz respeito a um homem condenado pela importação e venda irregular de um vasodilatador, também usado para disfunção erétil, sem registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O juízo de primeira instância fixou a pena em 3 anos e 1 mês de reclusão com base no crime de tráfico previsto na Lei de Drogas ( Lei 11.343/2006, artigo 33), declarando a inconstitucionalidade da sanção de 10 a 15 anos de reclusão prevista no artigo 273 do Código Penal, que trata de falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de medicamento, mas se estende, conforme o parágrafo 1º-B, inciso I, à venda de medicamento sem registro.
O Tribunal Regional Federal (TRF-4) manteve a decisão, por entender que viola o princípio da proporcionalidade a fixação de pena elevada e idêntica para conduta completamente diversa das listadas no Código Penal. Tanto o Ministério Público Federal quanto o condenado recorreram ao STF visando à anulação da decisão do TRF-4.
Desproporcionalidade
Na sessão de hoje, o procurador-geral da República, Augusto Aras, arguiu a desproporcionalidade da aplicação da apenação vigente do Código Penal. Na mesma linha, o defensor público federal Gustavo Zortea da Silva, em nome da Defensoria Pública da União (DPU), apontou discrepâncias entre a gravidade do delito e as penas impostas.
Individualização da pena
Com base em princípios constitucionais como o da dignidade humana, o relator do recurso, ministro Luís Roberto Barroso, apresentou fundamentos sobre a proibição de penas desproporcionais à infração imputada e lembrou que a Constituição Federal veda a adoção de penas cruéis. De acordo com Barroso, a pena deve ser aplicada de maneira personalizada, e não com base em uma fórmula genérica. “Se a lei trata como a mesma gravidade situações de reprovabilidade diversas, não há individualização da pena”, assinalou.
O relator concluiu pela declaração incidental de inconstitucionalidade da sanção prevista no dispositivo penal. “A pena de 10 a 15 anos pela importação de medicamento sem registro sanitário não passa no teste da crueldade, da individualização e da desproporcionalidade”, afirmou. Para Barroso, a pena mais adequada ao caso é a prevista para o crime de contrabando (artigo 334-A do Código Penal), que consiste na importação, exportação ou negociação em geral de mercadorias proibidas (2 a 5 anos de prisão), configurando, dessa forma, a norma geral e que abrangeria aquele delito. Votou, assim, pelo desprovimento do recurso do MPF e pelo provimento parcial do recurso do réu. O ministro Nunes Marques o acompanhou.
Redação original
O ministro Alexandre de Moraes abriu divergência, por entender, com base no princípio da reserva legal e da anterioridade da lei penal, que a utilização de analogia para a aplicação de sanções gera insegurança jurídica. “Por mais que seja razoável, isso pode gerar uma insegurança jurídica enorme”, observou. Ele votou pela decretação da nulidade do parágrafo 1º-B, inciso I, do artigo 273 do Código Penal e, consequentemente, pela validade de sua redação original (repristinação), que previa sanção de 1 a 3 anos. Segundo o ministro, o TRF-4 deve realizar nova dosimetria da pena aplicada com base na redação anterior desse artigo do Código Penal.
Dano ou perigo concreto
Uma terceira vertente foi apresentada pelo ministro Edson Fachin, que fez considerações sobre a proibição da combinação de leis, que pode resultar na criação de um novo tipo penal, o que contraria a Constituição. Fachin reconheceu a desproporcionalidade da pena e votou pela aplicação de interpretação conforme para permitir a configuração do crime somente nos casos de dano ou perigo concreto de lesão à saúde pública, que é o bem jurídico protegido no caso. “A configuração das condutas depende de comprovação inequívoca da existência de dano ou perigo de lesão à saúde”, afirmou. Dessa forma, votou pelo provimento do recurso e pela absolvição do réu, por não ter sido possível verificar a existência de dano ou de perigo concreto de lesão nas condutas atribuídas a ele.
EC/CR//CF
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